Transgênero e preservação da fertilidade
Conciliar a redesignação sexual e o desejo reprodutivo é possível? “Sim, se o especialista em Reprodução Assistida estiver presente na equipe multidisciplinar que atende o paciente transgênero desde o início, pois cabe a esse profissional fornecer as orientações sobre planejamento reprodutivo e preservação da fertilidade”, defende o especialista em Reprodução Assistida, Sergio Gonçalves, diretor da Viventre.
O tema é muito relevante porque o desejo de se submeter a um tratamento de preservação da fertilidade varia muito entre os adolescentes transgêneros, aponta um novo estudo. Em uma revisão retrospectiva de dados de 102 adolescentes transexuais da Austrália, nenhum dos 49 indivíduos designados como mulheres ao nascer tentou se submeter à preservação da fertilidade antes de iniciar a terapia hormonal.
De acordo com os autores do estudo, publicado no JAMA Pediatrics, a principal razão que os adolescentes deram para não se submeterem aos esforços de preservação da fertilidade foi que eles considerariam a intervenção no futuro quando fossem mais velhos.
Homens transgênero
As possíveis opções de fertilidade disponíveis para adolescentes transexuais designadas como mulheres ao nascer são a recuperação de oócitos com criopreservação ou a biópsia de tecido ovariano com criopreservação.
Algumas outras razões para a recusa da preservação da fertilidade entre os indivíduos designados como sexo feminino ao nascimento incluíam não desejar engravidar, não querer filhos e preferência por adotar.
Alguns participantes também listaram a natureza invasiva do procedimento de preservação da fertilidade como outro motivo. Um total de 16 participantes não forneceu uma razão para a recusa da preservação da fertilidade.
Mulheres transgênero
Por outro lado, houve uma tendência muito diferente entre os esforços de preservação da fertilidade para adolescentes transgêneros designados como homens ao nascer.
Entre os 53 indivíduos, 33 (62%) optaram por se submeter à preservação da fertilidade antes de iniciar a terapia com agonista do hormônio liberador de gonadotropina ou terapia com estrogênio.
A maioria dos adolescentes designados como homens ao nascimento foi capaz de congelar com sucesso seu esperma após fornecer uma amostra obtida por masturbação, embora esse grupo tendesse a ser um pouco mais velho (idade média de 15,6).
Adolescentes mais jovens no início da puberdade foram submetidos à biópsia testicular (idade média de 13,9 anos), embora cerca de metade dos que foram submetidos à biópsia não tivessem espermatozoides maduros – apenas células germinativas – e, portanto, fizeram apenas criopreservação de tecido testicular.
Os autores do estudo surpreenderam-se com a taxa de adolescentes transgênero designadas como sexo masculino ao nascimento que tentaram se submeter à preservação da fertilidade, uma vez que isso era “muito maior do que o relatado anteriormente”.
Eles referem-se a uma pesquisa anterior, que sugeria que menos de 5% dos adolescentes transgênero optavam pela preservação da fertilidade, apesar de mais de um terço afirmar que desejava ter filhos biológicos no futuro.
Por causa dessa disparidade em relação à pesquisa anterior, os pesquisadores se interessaram em determinar a causa dessas baixas taxas de acesso à preservação da fertilidade e descobrir se isso se devia a uma falta intrínseca de desejo de preservação da fertilidade entre adolescentes transgêneros ou se, em vez disso, isso era devido a barreiras assistenciais em Saúde, como alto custo e disponibilidade limitada.
Como os adolescentes incluídos no estudo atual eram pacientes de uma clínica pediátrica com financiamento público, na Austrália, localizada ao lado de um centro de oncofertilidade pediátrica, muitas dessas barreiras não estavam presentes.
Como resultado, a equipe de pesquisadores esperava ver taxas mais altas de preservação da fertilidade, refletindo melhor e de maneira mais precisa o desejo de preservação da fertilidade entre adolescentes transgêneros.
Especificamente, para adolescentes designados como sexo masculino ao nascimento, os esforços de preservação da fertilidade na clínica são feitos rapidamente, observaram os pesquisadores: menos de 1 semana para amostras de sêmen e menos de 1-2 meses para biópsias testiculares.
O momento da preservação também é importante, uma vez que outro motivo comum que os adolescentes transgêneros deram para desistir da preservação foi o receio de atrasar o início do tratamento de hormonização.
Além disso, o custo dos esforços de preservação para pessoas designadas como homens ao nascimento é relativamente baixo, pelo menos na clínica onde a pesquisa foi realizada.
As descobertas sugerem que há um grande desejo intrínseco de preservar a fertilidade entre adolescentes transgêneros designadas como homens no nascimento e destacam a importância de oferecer preservação da fertilidade acessível a essas jovens.
“A preservação da fertilidade é uma opção que precisa ser discutida com pacientes transgêneros que desejam passar por tratamentos de hormonização para alinhar seus corpos às suas identidades sexuais. Os médicos responsáveis por esses pacientes devem ser incentivados a abordar essa questão, devem aconselhar pacientes transexuais e suas famílias, pois a maioria desses jovens não consegue discutir ou pensar em planejamento reprodutivo sozinho”, defende o especialista em Reprodução Assistida.