Preservação da Fertilidade
Quando a sua fertilidade começa a declinar?
Como especialista em Reprodução Humana, além das técnicas de reprodução assistida, me ocupo da importante missão de falar sobre a preservação da fertilidade.
A sociedade mudou muito e a opção de ter filhos na casa dos vinte ou trinta anos nem é mais cogitada, hoje, pela Geração Y e muito menos pela Geração Z… As aspirações e as prioridades são outras no mundo moderno: estudo, realização profissional, independência financeira…
Mas, paradoxalmente, o mundo da informação instantânea ainda não conseguiu propagar a mensagem correta sobre o declínio da fertilidade.
Estudos sobre até que ponto as atitudes irrealistas sobre a fertilidade afetam a gravidez no futuro começam a ganhar corpo. Especialistas em reprodução assistida concordam que algumas pessoas poderiam ser poupadas das dificuldades em engravidar e de todo o desgaste emocional dos tratamentos relacionados à infertilidade se soubessem mais sobre a idade na qual se torna significativamente mais difícil engravidar e dar à luz um bebê saudável.
Estudos apontam que os jovens não sabem que a fertilidade começa a declinar após uma certa idade e também tendem a superestimar a eficácia dos tratamentos de fertilidade como a fertilização in vitro (FIV) para ajudar as pessoas com dificuldades para engravidar.
Uma pesquisa com 1.215 estudantes universitários na Austrália confirma essa visão generalizada sobre as taxas de fertilidade e o sucesso da fertilização in vitro.
70% dos estudantes que disseram querer ter filhos concordaram que seria importante ter filhos antes de ficarem “velhos demais”, mas apenas 46% das mulheres e 38% dos homens sabiam que a fertilidade das mulheres começa a diminuir significativamente a partir dos 35 anos. Apenas 18% dos homens e 17% das mulheres sabiam que a fertilidade dos homens declina muito entre os 45-49 anos.
Este desejo de ter filhos “no futuro”, juntamente com a falta de consciência sobre a faixa etária de declínio da fertilidade é preocupante. E esse não é um fardo exclusivamente das mulheres. É importante saber que há limites para a fertilidade masculina e feminina, então homens e mulheres devem ser igualmente informados.
A pesquisa destaca a necessidade de educar os jovens, não apenas as mulheres, sobre os limites da fertilidade feminina e masculina. A decisão de ter um filho geralmente é conjunta, por isso todas as partes precisam estar bem-informadas.
Como preservar a fertilidade?
As técnicas com o objetivo de preservar a fertilidade envolvem procedimentos realizados para armazenar embriões e/ou gametas (óvulos e/ou espermatozoides) com a finalidade de postergar a maternidade ou a paternidade.
Trata-se de um procedimento terapêutico que possibilita gerar um bebê no futuro com o próprio material genético, mesmo em situações de perda definitiva da função ovariana ou testicular, ou seja, com a parada completa da produção de óvulos ou espermatozoides.
Preservação de Óvulos
Pessoas com ovários já nascem com uma quantidade definida de óvulos, ou seja, todos os seus óvulos foram produzidos ainda durante o desenvolvimento dentro útero, antes mesmo do nascimento. Estima-se que a criança nasça com cerca de 2 milhões de óvulos, sendo que na primeira menstruação esse número cai para 400 mil e aos 35 anos para 25 mil óvulos.
Conforme a idade avança, os óvulos envelhecem com a pessoa, perdendo qualidade. Além disto, ocorre a diminuição progressiva da reserva ovariana, isto é, do “estoque” de óvulos que poderão ser usados para fins reprodutivos.
Isso significa que eles terão maiores chances de gerarem embriões também sem qualidade, com alterações cromossômicas que vão levar a maior dificuldade para engravidar e maiores taxas de abortamento.
Acima dos 35 anos, vemos que essa perda de qualidade vai acontecendo progressivamente e, após os 40 anos, ela é bem pronunciada.
Como podemos reverter esse cenário hoje?
Aconselhando a pessoa a fazer um planejamento reprodutivo, informando-a sobre o congelamento de óvulos. Há muito no campo da reprodução humana que pode ser feito hoje em prol de um futuro mais tranquilo.
O congelamento de óvulos é uma opção a ser considerada nestas situações:
- Antecedente familiar de menopausa precoce ou falência ovariana prematura;
- Necessidade de quimioterapia e/ou radioterapia contra o câncer;
- Desejo de postergar a gestação ou ausência de perspectivas de ter filhos antes dos 35 anos;
- Pessoas casadas que desejam postergar a gravidez, mas não querem congelar embriões por motivos filosóficos, éticos ou religiosos;
- Homens trans que iniciarão hormonioterapia, o que pode dificultar o acompanhamento da função e da reserva ovariana;
- Antes de cirurgias para retirada de um teratoma ou endometrioma no ovário, que podem comprometer a reserva ovariana.
Como é feito o congelamento de óvulos?
Estimulação ovariana: feita com medicamentos que estimulam o desenvolvimento dos folículos ovarianos (que contêm óvulos);
Captação de óvulos: quando os folículos atingem o tamanho ideal, aplica-se a última medicação para maturar os óvulos e programar a coleta, feita por punção dos ovários guiada por ultrassom transvaginal. O procedimento é feito sob sedação (anestesia), no laboratório de Reprodução Humana;
Avaliação dos óvulos: quando o embriologista faz a avaliação da qualidade dos óvulos captados antes do congelamento;
Congelamento: os óvulos maduros são congelados em poucos minutos até -196°C. Esta técnica permite taxas de sobrevivência de 85 a 95%;
Manutenção do material criopreservado: os óvulos são congelados em nitrogênio líquido por tempo indeterminado. Quando a pessoa decidir usar seus óvulos, estes são descongelados e fertilizados com espermatozoides. Portanto, o tratamento empregado será a fertilização in vitro.
É preciso falar mais sobre preservação da fertilidade, precisamos de uma forma mais ampla de abordar o tema para traçarmos estratégias de planejamento familiar com segurança e tranquilidade.
Preservação de Espermatozoides
A preservação da fertilidade também está disponível para pessoas com testículos, por meio do congelamento de sêmen.
Enquanto a fertilidade ovariana decresce ao longo da vida reprodutiva, encerrando-se com a menopausa, o efeito da idade “parece ser menos drástico”, no caso da fertilidade testicular.
Entretanto, estudos têm mostrado que a contagem de espermatozoides pode também diminuir e os danos ao DNA dos espermatozoides podem aumentar com a passagem do tempo.
Histórias de celebridades com mais de 60 anos que geram filhos podem fornecer uma perspectiva distorcida sobre esta queda da fertilidade.
De fato, tanto na concepção natural quanto na assistida, apenas recentemente surgiram evidências de riscos associados aos espermatozoides de pessoas mais velhas.
Os dados atuais sugerem que a qualidade do sêmen diminui com o aumento da idade, o que pode afetar os resultados da FIV.
As evidências científicas mostram que também existe um “relógio biológico” e que há um declínio na fertilidade testicular natural e um aumento nas taxas de abortamento com a idade, ainda que este impacto seja menos pronunciado que o observado para a fertilidade ovariana.
No mundo em que vivemos é muito importante também educar pessoas com testículos sobre a queda natural da fertilidade com o avançar da idade.
O congelamento de sêmen é uma opção a ser considerada nestas situações:
- Antes de iniciar quimioterapia e/ou radioterapia contra o câncer;
- Homens cis que desejam adiar a paternidade;
- Profissões de risco, como exposição a gases tóxicos, metais pesados e radiação ionizante;
- Mulheres trans que iniciarão hormonioterapia (que pode comprometer de forma definitiva a função testicular);
Mulheres trans que farão cirurgia de redesignação sexual;
- Diagnóstico de doenças degenerativas que podem afetar a fertilidade;
Antes da realização de vasectomia (caso não haja certeza sobre o desejo de mais filhos no futuro);
Antes de cirurgia na próstata e/ou nos testículos, que podem comprometer a função reprodutiva.
Como o congelamento é feito?
Coleta da amostra seminal: realizada de forma simples por meio de masturbação, coleta em preservativo durante relação sexual, eletroestimulação (em caso de disfunção ejaculatória), ou ainda, quando o homem apresenta baixa contagem de espermatozoides, por meio de punção testicular ou do epidídimo;
Análise do material: o sêmen coletado é analisado para avaliação da qualidade e da quantidade dos espermatozoides;
Congelamento: na sequência, o sêmen é armazenado em nitrogênio líquido a -196°C por tempo indeterminado;
Manutenção do material criopreservado: ao optar pelo congelamento de sêmen, pessoas que desejam ter filhos no futuro podem recorrer à fertilização in vitro (FIV) ou à inseminação intrauterina (dependendo das características do material armazenado).
Pessoas Transgênero
Pessoas trans podem passar por tratamentos hormonais que podem levar à infertilidade temporária ou permanente. Por isso é importante pensar sobre o desejo de ter filhos antes de iniciar hormonioterapia.
A preservação da fertilidade é uma opção que precisa ser avaliada e discutida com pessoas trans que desejam passar por terapia hormonal para adequar seus corpos às suas identidades sexuais.
Os médicos responsáveis por esses pacientes devem ser incentivados a abordar essa questão e aconselhar pacientes transgêneros a conversarem sobre preservação da fertilidade com o especialista em reprodução assistida.
É muito comum que pessoas trans iniciem o tratamento hormonal sem informações sobre as técnicas disponíveis para preservação da fertilidade e possíveis consequências da hormonioterapia sobre a fertilidade.
Precisamos oferecer a este grupo o mesmo atendimento oportuno e respeitoso ofertado aos demais pacientes que optam pelos recursos de reprodução assistida que permitem a preservação da fertilidade.