Adiamento da maternidade em função do trabalho
Médicas encontram muitos percalços para equilibrar o sucesso profissional e a formação da família. Para elas, as decisões sobre os investimentos na carreira e as decisões sobre a formação da família estão sempre sendo colocadas em xeque, aponta uma nova pesquisa apresentada durante o encontro anual da Sociedade Americana de Reprodução. Mais de 80% das médicas relataram o adiamento da maternidade em algum momento de sua carreira devido às demandas da Medicina.
Muitas fizeram escolhas de carreira significativas para acomodar seus planos de construção familiar, como tirar licenças prolongadas, mudar o ambiente de trabalho ou até mesmo abandonar a medicina, apontou o estudo.
Segundo os dados da pesquisa, no geral, 34% das médicas disseram que não aproveitaram todas as oportunidades de progredir na carreira porque tiveram que acomodar os planos de gravidez e maternidade.
Adiamento da maternidade
O estudo buscou avaliar como as médicas ajustaram suas escolhas de carreira para equilibrar a maternidade com a prática da medicina. Para tanto, os pesquisadores distribuíram uma pesquisa on-line para médicas por meio de uma campanha nacional de mídia social entre março e abril de 2022.
A equipe reuniu dados de 741 entrevistadas na análise. As médicas que responderam à pesquisa tinham, em média, 39 anos. No geral, 90% se identificaram como heterossexuais, 85% eram casadas ou tinham parceiros. Quase 40% experimentaram infertilidade e 55% usaram a fertilização in vitro para conceber. A maioria das entrevistadas da pesquisa identificou-se como sendo branca.
Em relação às especialidades das participantes, a maioria era obstetra, intensivista ou pediatra. Um número menor de médicas identificou-se como especialista em medicina de família, cirurgia e medicina de emergência. 43% praticavam medicina em ambientes acadêmicos, 27% trabalhavam em consultório particular e 21% trabalhavam em ambientes comunitários.
A maioria das médicas adiou seus planos de formar uma família devido aos desafios relacionados à carreira. De todos as entrevistadas, 62% adiaram o desejo de ter filhos no passado devido à carreira médica e 18% estavam atualmente avançando em seus planos.
No total, 42% das mulheres atrasaram os planos de construção da família em 0 a 3 anos. Quase 30% atrasaram de 3 a 5 anos e 21% adiaram seus planos por 5 anos ou mais.
As médicas citaram falta de tempo, falta de flexibilidade de horários, estresse e preocupação em sobrecarregar seus colegas como os principais fatores que consideraram ao decidir quando ter filhos. Menos de 40% das participantes disseram que a falta de um companheiro contribuiu para suas escolhas sobre quando começar uma família.
Enquanto 27% das entrevistadas trabalhavam 60 horas semanais ou mais, 52% relataram trabalhar entre 40-59 horas semanais e 15% trabalhavam entre 20-39 horas.
Muitas mulheres que responderam à pesquisa trabalhavam mais horas do que seus cônjuges. Além disso, 54% eram responsáveis pelas funções de manutenção da casa, como cozinhar, comprar mantimentos, 64% eram responsáveis pelas funções de manutenção da família, incluindo cuidados infantis, consultas médicas e acompanhamento escolar dos filhos.
Algumas médicas tomaram medidas adicionais para concretizar seus planos de formar uma família, como tirar licença prolongada por mais de 12 semanas (20%), escolher uma especialidade diferente (21%), reduzir o horário de trabalho (33%) ou ainda mudar o ambiente de trabalho (19%), como sair do ambiente acadêmico e abrir um consultório particular. Apenas 3% das entrevistadas abandonaram a medicina para formar uma família.
“A pesquisa aponta o que já sabemos: as disparidades de gênero continuam presentes no mercado de trabalho e são prevalentes na Medicina. As médicas enfrentam uma pressão enorme para dar conta dos dois papéis de mãe e profissional. Cada vez mais, a Reprodução Assistida hoje precisa pautar a sociedade sobre planejamento reprodutivo e preservação da fertilidade, os dois aliados da mulher moderna”, afirma Sergio Gonçalves, especialista em Reprodução Assistida, diretor da Clínica Viventre.
Segundo a última Demografia Médica Brasileira, as mulheres estão cada vez mais representadas na Medicina. Os homens ainda são maioria entre os médicos em atividade no Brasil, mas a diferença relacionada a gênero vem diminuindo ano a ano. Em 2020, os homens representavam 53,4% da população de médicos e as mulheres, 46,6%. Na pesquisa de 2015, médicos homens somavam 57,5% do total, e as médicas, 42,5%. Em 1990, as mulheres eram 30,8%.
“A Medicina vem mudando, há uma forte presença feminina hoje. Precisamos pensar em conciliar a prática laboral feminina com os desejos reprodutivos dessas mulheres. Não é mais preciso optar por trabalho ou família, precisamos superamos esse paradigma”, defende Sergio Gonçalves.